Vieram para a cidade grande no mesmo pau de arara. Durante o longo trajeto dividiram histórias tristes, secas, as mazelas do sertanejo. Mas também dividiram sonhos, almejaram um cargo de mestre-de-obras aqui, um possível bar para os coterrâneos acolá. Talvez Brasília, quem sabe, afinal “já cheguemos lá”. Mal sabiam que uma divisão em especial causaria celeuma irreversível.Virgulino conheceu Francineide. Apesar de ser da capital, Fran – como era comumente conhecida – tinha histórico nos açudes que salvam vidas do monstro saariano que flagela o povo. O nome e a situação os uniram, e eles acabaram se juntando.Daí para Amâncio entrar na história foi um pulo. As buchadas de sábado eram animadas. O sarapatel da Fran e a trilha sonora de Amado Batista uniam os amigos em comum. Então alguém, mais animado – quase sempre Francineide, que não exagerava na sonífera combinação caldo de mocotó e baião de dois – puxava o velho rádio K7 e colocava a já gasta fita do Matruz com Leite. E em uma dessas vezes, Amâncio viu que o sertão ia virar mar. Só não sabia que seria um mar de sangue.Era inconcebível isso, segundo ele. “Porra Amâncio, ficar de pau duro com a mulher do cumpadre? Tá besta? Deu pra ficar bilolado, cabra?” praguejou, em vão. Não conseguia mais resistir ao rebolar da comadre. “Que se foda, vou meter um par de chifre no galhudo e, se der merda, rasgo o bucho do infeliz”.Da segunda vez, na presença do compadre, retesou. O convite para dançar foi o de sempre, mas Fran estava mais provocante. A combinação top verde limão com uma saia rosa colada dava a ele uma visão lisérgica da coisa. “Puta merda, quenga gostosa!”, teve vontade de falar, já preparado para justiçar o compadre. Virgulino, por outro lado, olhava indiferente, encarava o cigarro e, vez ou outra, dava uma golada de cachaça. Depois de algumas horas, a comida e a bebida falaram mais alto e Virgulino dormia o sono dos justos. Ou melhor, o sono dos cornos.Francileide arrumara a cama com esmero. O enxoval de cetim, comprado à prestação nas Pernambucanas, não prestava. A cortina azul entregava que já fora uma dessas piscinas de plástico. A calcinha vermelha descombinava com qualquer coisa do quarto mas, com uma bunda como aquela, cor era a última coisa que Amâncio queria ver. Cor e corno, por sinal.E assim traíram Virgulino como se não houvesse amanhã. Gritos abafados, travesseiros suados. Lindomar Castilho um pouco mais alto – não por ironia, mas para que o compadre não despertasse do sono dos chifrudos afinal, diferente dos gemidos, a música acalma os bichos galhudos. “Não pára cumpadre, enfia tudo cumpadre”, gritava Francilene, enquanto “Nós somos dois sem vergonhas” ecoava pelo quarto-sala-cozinha-banheiro até o quintal. Pensando bem, era ironia sim.Virgulino podia ser corno, mas não era burro. Sabia que o compadre estava “de fodeção” com Francileide. Os próximos encontros seguiram a mesma linha comida pesada, cachaça, forró e cama. Notara que o compadre comia menos, bebia menos e saia de pau duro ao final de cada dança. Como todo bom corno, decretou a morte do “fio de uma quenga”, mas não sem antes “rasgar o bucho da rapariga”. Amâncio, por causa de uma trepada, era um cabra marcado para morrer.Cheio de cachaça e problemas na cabeça, Virgulino chegou em casa de peixeira em mãos. Não deu tempo nem para Francileide reclamar que o enxoval de cetim ficaria sujo. Rasgou a mulher do pescoço ao ventre, como quem rasga um porco. “Rapariga”, “quenga”, “puta” eram palavras abafadas pela voz de Reginaldo Rossi. “Hoje é o dia do corno”, dizia o cantor.E de lá fora para o bar, onde deu cinco tiros no compadre. O corno tivera sua desforra, mas e agora? Sem mulher, sem compadre, sem o sarapatel dos finais de semana. A cabeça desanuviara e Virgulino viu o que fez. - Alaor, desce aquela!
- Ô Virgulino, mas aquela…
- Desce essa porra, cabra! – gritou, apontando a arma.
E Alaor desceu uma dose da cachaça Mata Corno. Virgulino moreu um dia depois, mas sempre será lembrado no bar do Alaor pela heróica frase:
- Antes tomar a Mata Corno do que a Na Bunda...
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